“É, na verdade, ser feliz, e muito feliz, viver somente para Deus!” (Mãezinha)
Na nossa época pós-moderna, a era da alta tecnologia, da telemática, da produtividade, do consumo fácil, da racionalização, do culto do bem-estar, e de um ateísmo silencioso e pragmático, existe algum sentido no fato de que mulheres deixem a vida “normal” e se fechem em um mosteiro? Mesmo muitos dos que dizem ter fé veem nesta atitude uma fuga da vida complexa e difícil do nosso mundo, ou um desperdício, pois há necessidade premente de auxílio humanitário em tantos setores de nossa sociedade!
Tudo parte de uma questão de fé. Se creio em Deus, se creio que sem Ele nada posso fazer – “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5) –, se creio que Ele é o Senhor da História, que “Nele nos movemos, somos e existimos” (At 7, 28), então, tudo muda! Tal vida será como o perfume de Betânia (Mc 14,3-9), onde o frasco foi quebrado para ser utilizado somente para Jesus, numa proclamação que Ele é Deus e Senhor, amado sobre todas as coisas!
Assim se entende porque ao longo de séculos – e também hoje! – jovens cheias de vida e de futuro, com alegria, deixam tudo para estar com Jesus de uma forma que busca ser absoluta, e assim, proclamar silenciosamente ao mundo o Absoluto de Deus! E pela consoladora realidade da Comunhão dos Santos, a sua oração, o seu sacrifício, a sua doação revertem em bem para muitas outras pessoas, cooperando com a graça de Deus para gerar e conservar a vida divina nestas almas. Tornam-se, desta forma, mães de almas. Isto resume, de forma um tanto simples, o sentido da vida consagrada contemplativa: a vida dos monges e monjas.
Cada tipo de mosteiro surgiu a partir de uma espiritualidade, isto é, um modo de entender e viver o seguimento de Cristo.
No caso do Carmelo, a Ordem surgiu na Palestina, no início do séc. XIII, com o movimento das Cruzadas. Alguns europeus, encantados com a beleza e a herança espiritual do Monte Carmelo, onde Elias lutou pela pureza da fé no Deus Vivo, em cuja presença ele vivia, decidiram fixar morada neste local abençoado, como eremitas, e ali construíram uma capela a Nossa Senhora… Nossa Senhora do Monte Carmelo, de onde se originou o nome deste grupo, que procurava viver em obséquio de Jesus Cristo e da Virgem Maria. Expulsos pelos sarracenos, voltaram para a Europa. A partir deste grupo surge, no início do século XV o ramo feminino da Ordem. No século seguinte, num destes mosteiros carmelitas, o de Ávila, entra Teresa de Ahumada. Apaixonada por Deus, e diante dos sofrimentos pelos quais a Igreja passava nesta época, decide-se por uma vida de maior entrega a Ele, e funda o Carmelo Descalço. Em feliz coincidência com o Ano dos Consagrados, celebra-se no corrente ano, o V Centenário do nascimento desta “monja andarilha”, uma mulher extraordinária para seu tempo, que desejava que suas monjas fossem “amigas fortes de Deus” e rezassem principalmente pela Igreja e seus ministros.
No Brasil, o Carmelo Descalço feminino teve seu início no Rio de Janeiro, no Convento Santa Teresa que, por sua vez fundou o de Campinas.
O Carmelo da Sagrada Família foi fundado a 26/10/1943, por uma monja vinda do Carmelo campinense, mas nascida em Maria da Fé, MG: uma mulher que desde a infância trazia em seu corpo a marca de um câncer, mas que se entregou a Deus com um amor que ultrapassava qualquer dificuldade. Construiu o belo mosteiro que temos sem meios financeiros; formou uma comunidade que se ama e ama Pouso Alegre, a Igreja e o mundo; atendeu a inúmeras pessoas de Pouso Alegre e arredores com um carinho e fecundidade espiritual que todos a conheciam por “Mãezinha”: hoje, Serva de Deus Maria Imaculada da Ssma. Trindade. Sua vida simples, de um sim contínuo e incondicional a Deus não ficou restrita aos muros do Carmelo. O perfume de sua santidade ultrapassou a clausura, e muitas pessoas, pedindo graças por sua intercessão e alcançando-as, pediram insistentemente a abertura do seu Processo de Canonização e Beatificação, que teve sua fase diocesana concluída a 25/10/2014, e obteve o Decreto de Validade em abril de 2016.
Este é um fato que questiona: como pode uma existência tão escondida e tão “sem brilho” chamar atenção sobre si, mesmo nos dias de hoje?
Quem se aproxima do Carmelo logo sente “um clima diferente”. Muitos o denominam como “um pedacinho do Céu”. Qual a origem desta “atmosfera” diferente”? Uma vida muito simples, e toda entregue por amor a Deus e pelo bem da humanidade.
Alguns pensam que nós, monjas, nada fazemos além de ficar de joelhos dia e noite, rezando. Não é assim. Embora a oração – o relacionamento com Deus – seja a atitude contínua e básica de quem vive no Carmelo, a vida é equilibrada humana e espiritualmente.
O dia começa às 04h45, com o despertar ao som de uma matraca e da voz de uma Irmã que convida a todas: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe, a Vigem Maria! À oração, Irmãs, a louvar o Senhor!” Seguem-se a oração de “Laudes”, a oração mental, a Missa, a oração de “Tertia”. Café da manhã, e trabalho, como na casa de Nazaré: lavar, passar, cozinhar, limpar, costurar, bordar… mas tudo “por Cristo, com Cristo e em Cristo”. Às 11h, oração de “Sexta”, seguida de exame de consciência, almoço e… recreio! O Papa Francisco diz que onde há religiosos, há alegria. Para confirmar isto, basta ver um recreio de carmelitas!
Depois de uma hora de recreio, segue-se uma hora de silêncio total, no qual a Irmã pode descansar, rezar, ler ou trabalhar. Às 14h, oração de “Noa”, seguida de leitura espiritual. Às 15h, retorno ao trabalho, até as 16h30, quando se reza “Vésperas”, seguida de mais uma hora de oração mental. Às 18h, jantar e mais uma hora de recreio. Às 19h30, “Completas”, seguida de um tempo de silêncio total, para oração ou leitura. Às 21h, oração de “Matinas” e repouso.
É uma vida de silêncio e solidão, para poder estar em maior sintonia com Deus. Fala-se somente o necessário a respeito do trabalho ou alguma outra necessidade e, sendo possível, por meio de bilhetes.
O recreio é o tempo de expansão das alegrias, mas também de partilha das preocupações, dos pedidos de oração próprios ou que recebemos de fora. Tudo como numa família, tendo como cabeça a Priora, que é a representante de Nossa Senhora, nossa Priora perpétua. Uma vez por semana reunimo-nos para a revisão de vida e correção de rota, pois não somos perfeitas, mas buscamos, com perseverança, dia a dia, a identificação com Jesus.
O trabalho é vivido com corresponsabilidade e generosidade, como vivência da pobreza e comunhão com condição da maior parte de nossos irmãos. O trabalho remunerado são os pães feitos na quinta-feira, a confecção alfaias, paramentos e velas para Batismo e Primeira Eucaristia. Neste dia a dia “pequeno” formaram-se grandes almas, como Santa Teresinha do Menino Jesus e a própria Mãezinha. Nesta simplicidade de vida esconde-se uma energia, como dizia Edith Stein, também carmelita, capaz de romper as rochas. Por isso São Paulo já falava da vida escondida em Cristo, da vida vivida na fé no Filho de Deus. Fé: nada se vê – de anormal, de extraordinário – mas a realidade invisível é algo que “o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam.” (1Cor 2,9)
Louvamos a Deus pela vocação que nos deu, e com a Serva de Deus Maria Imaculada, podemos afirmar: “Não sei como agradecer a Deus esta tão grande graça! Só sei dizer que sou muito e muitíssimo feliz!” Que Ele conceda esta graça a muitas e muitas jovens!
Irmãs do Carmelo da Sagrada Família